terça-feira, 23 de março de 2010

Desvencilhar!



E é com João Cabral de Melo Neto que faço deste espaço um grito, um murmúrio, um desabafo!
"(...) O amor roeu a minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia os lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina no largo, com os primos que tudo sabiam sobre os passarinhos, sobre mulheres, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu o meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas que eu desesperava por não saber falar delas em verso (...)".


Trecho de Os Três Mal-Amados.


2 comentários:

  1. aee, agora sim, prafrentex, com blog e tudo...

    Parabéns, espero que você escreva bastante coisa por aqui, seja um inaudível murmúrio ou um grito de tapar ouvidos, não importa. É legal, você vai ver...

    Mas desde logo vou discordar das suas companhias. Recomendo trocar de diplomatas.

    Não andaria com um que vivia com dor de cabeça, pelo menos se o assunto for amor.

    Estaria com um cônsul um pouco mais rebelde, que não fala de amor com exaqueca, mas sim com sonetos...(aqui vai um)

    De tudo ao meu amor serei atento
    Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
    Que mesmo em face do maior encanto
    Dele se encante mais meu pensamento.

    Quero vivê-lo em cada vão momento
    E em seu louvor hei de espalhar meu canto
    E rir meu riso e derramar meu pranto
    Ao seu pesar ou seu contentamento.

    E assim, quando mais tarde me procure
    Quem sabe a morte, angústia de quem vive
    Quem sabe a solidão, fim de quem ama

    Eu possa me dizer do amor (que tive):
    Que não seja imortal, posto que é chama
    Mas que seja infinito enquanto dure.

    (http://cemmilhoras.blogspot.com)

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